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Quando jogar vira fuga: o vício em jogos de azar sob o olhar da psicanálise

  • Foto do escritor: Noele Gonzaga
    Noele Gonzaga
  • há 4 dias
  • 2 min de leitura

O que leva alguém a apostar compulsivamente, mesmo diante de tantas perdas? Por que um jogo que deveria ser “diversão” se transforma em destruição? O que sustenta, no sujeito, essa aposta contínua no impossível?

Na psicanálise, o vício em jogos de azar não é apenas uma questão de falta de controle ou de “fraqueza moral”. É sintoma. É tentativa. É repetição. Uma forma de lidar com o vazio, com a angústia, com a dor psíquica que não encontrou outro modo de expressão.

O jogador compulsivo aposta para não pensar. Para fugir de algo que o habita, mas que não consegue nomear. A cada rodada, ele tenta derrotar o acaso — ou, talvez, encontrar algum sentido para o caos interno.

Por isso, o jogo se torna viciante:não só pelos estímulos externos (as luzes, os prêmios, o sistema de recompensa), mas porque ele encena, subjetivamente, uma fantasia de controle. Como se pudesse dominar a sorte. Como se pudesse vencer a falta.

Na estrutura psíquica, essa repetição tem algo de masoquista:mesmo diante do prejuízo, o sujeito retorna ao mesmo ponto. Perder — paradoxalmente — pode ser uma forma de punir-se, de se sentir vivo, ou até de sustentar uma culpa inconsciente.

Na clínica, é comum perceber que o jogo aparece como defesa contra sentimentos intoleráveis:solidão, fracasso, abandono, impotência. Ou como tentativa de preencher uma identidade que nunca se consolidou. Aposta-se para se sentir alguém.Para não entrar em contato com um “nada” interno que ameaça tomar conta.

O jogo, nesse contexto, não é entretenimento. É estrutura. É suplência simbólica. É um modo de existir diante de um mundo interno caótico.

A psicanálise não moraliza o vício — ela escuta. Procura entender o que está em jogo no jogo. O que se busca repetir. O que se tenta calar. O que se perde (ou se ganha) a cada aposta.

E, a partir dessa escuta, pode abrir espaço para que o sujeito encontre outras formas de lidar com sua dor. Outros modos de existir que não passem pela destruição de si.

Porque, no fundo, quem joga compulsivamente está dizendo algo. E merece ser escutado — para além da culpa, da crítica ou do abandono.

 
 
 

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