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Mal-estar em rede: por que nos isolamos tanto em tempos de conexão?

  • Foto do escritor: Noele Gonzaga
    Noele Gonzaga
  • 26 de mai.
  • 2 min de leitura

Estar com o outro nunca foi simples. Freud, em O mal-estar na civilização (1930), já apontava que a vida em comum exige um preço psíquico. A cultura, com suas normas e proibições, demanda renúncias: abrir mão de impulsos, regular desejos, conter a agressividade. É da fricção entre o desejo singular e as exigências coletivas que nasce o mal-estar.

Na época de Freud, esse conflito se dava no campo da repressão e da sublimação. Hoje, ele se reinventa num cenário onde a tecnologia parece oferecer um caminho alternativo: relacionar-se sem implicação. Estar junto, mas só até onde for confortável. Compartilhar, mas sem se comprometer.

Criamos bolhas — cognitivas, afetivas, ideológicas — que evitam o atrito.Acolhemos o algoritmo como filtro: ele nos mostra mais do mesmo, confirma nossas certezas, afasta a alteridade. E, diante do desconforto que a convivência real provoca, preferimos deslizar. Swipe. Skip. Unfollow.

Parece prático, mas tem um custo.

Porque o outro real — o que pensa diferente, o que fura nossas expectativas, o que nos frustra e desconcerta — também é o que nos move. É no embate, no desacordo, na diferença que se abre espaço para o crescimento psíquico.

Quando evitamos o desprazer de conviver, evitamos também a possibilidade de nos transformarmos.

Relações virtuais, aplicativos de encontro, amizades mantidas por mensagens arquivadas: tudo isso aponta para uma espécie de convivência suspensa. Um laço que tenta excluir trabalho do Eu — esse esforço constante de negociar com o mundo, de simbolizar a falta, de suportar o não.

Vivemos, cada vez mais, em um espaço onde a alteridade é descartável.E, no fundo, esse movimento revela o velho desejo de voltar ao conforto primário: um mundo onde só existe aquilo que confirma minha existência. Mas esse retorno — impossível e fantasioso — só produz mais solidão.

A recusa ao desprazer da convivência não nos protege. Apenas nos isola.

E enquanto seguimos nessa tentativa de evitar o outro, o mal-estar permanece. Só muda de forma: agora, pode vim disfarçado de tédio, ansiedade, esgotamento, vazio.

Porque o laço exige implicação. E o sujeito só se constitui — de verdade — na travessia com o outro, e não no espelho de si mesmo.

 
 
 

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