Por que dói tanto não ser prioridade pra quem a gente ama?
- Noele Gonzaga
- 6 de mai.
- 2 min de leitura
A pergunta pode parecer simples, mas a resposta raramente está no presente. Na psicanálise, olhamos para o desejo com a lente da história. E é aí que percebemos: o desejo de ser escolhido agora, muitas vezes, é uma tentativa inconsciente de curar o apagamento de antes.
Não é incomum encontrar, na clínica, pessoas que sofrem não apenas pela ausência de reciprocidade, mas por uma dor mais primitiva: a dor de ter precisado abrir mão de si para ser amada. Crianças que cuidaram demais, calaram demais, se adaptaram demais para manter um vínculo — e cresceram sem saber que têm o direito de existir inteiras.
Essa adaptação precoce cria um modelo: o amor precisa ser merecido. Precisa ser conquistado com esforço, silêncio, controle. Então, quando adultas, essas pessoas se tornam especialistas em se moldar. E, com isso, fazem do outro o centro de gravidade da própria identidade.
Mas o problema não está no desejo de vínculo — está no modo como ele se constrói. Se para me sentir amada, preciso que o outro me escolha o tempo inteiro, o que está em jogo não é só o afeto, é o reconhecimento da minha existência. É como se, ao não ser prioridade, eu fosse descartada. E o sofrimento toma a forma de uma urgência: “o que falta em mim que o outro não vê?”
A questão é que essa falta não começou ali. Ela retorna, como retorno do recalcado freudiano, como repetição. É a cena antiga se encenando de novo, com novos personagens.
E o que parecia um desejo legítimo — ser importante para alguém — revela sua face mais profunda: a tentativa de dar conta, com o presente, daquilo que foi vivido como falha lá atrás. Mas o outro de hoje não pode corrigir o vazio de ontem.Se a gente não elabora essa falta, ela vira tirana. Vira exigência. E passamos a cobrar do outro o que faltou na origem.
Lacan diria que todo desejo implica falta. Mas, quando essa falta não é simbolizada, ela vira buraco — e o desejo, que poderia nos mover, passa a nos aprisionar. Queremos tanto ser escolhidos que esquecemos de nos perguntar: por quem eu quero ser escolhida? Para quê? A que custo?
A análise não é o caminho para que você pare de desejar.Mas é o espaço onde esse desejo pode ganhar palavra, forma, história. Onde a falta pode ser reconhecida sem precisar ser tapada com o outro.
É quando a gente nomeia o que faltou — e dá lugar ao que doeu — que a repetição se transforma.E o amor deixa de ser demanda para ser possibilidade.
Possibilidade de estar com o outro… sem desaparecer de si.
Comments