Análise Psicanalítica de "DivertidaMente"
- Noele Gonzaga
- 27 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
O filme "DivertidaMente" (Inside Out) da Pixar, embora seja uma animação destinada a crianças, oferece uma rica tapeçaria para explorarmos conceitos profundos de psicanálise e a formação do inconsciente. A trama inicial se desenrola dentro da mente de uma menina chamada Riley e nos apresenta suas emoções personificadas: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho. Essas emoções vivem no "Quartel-General", que simboliza a mente consciente de Riley, onde elas trabalham juntas para ajudá-la a lidar com suas experiências diárias.
Formação do Inconsciente e a Dinâmica das Emoções
Do ponto de vista psicanalítico, podemos ver o "Quartel-General" como o ego de Riley, o centro de sua consciência e raciocínio. No entanto, a mente é muito mais complexa, com grande parte dela operando fora da nossa percepção consciente — o inconsciente. Freud postulou que o inconsciente abriga desejos, memórias e experiências reprimidas que influenciam nosso comportamento. No filme, isso é representado pelos "Pensamentos Centrais" e as "Memórias de Longo Prazo".
Alegria e Tristeza como Representações do Conflito Interno: Alegria, que tenta constantemente manter Riley feliz, pode ser vista como a força do princípio do prazer de Freud, que busca evitar a dor e obter prazer. Em contrapartida, Tristeza representa o reconhecimento da dor e a necessidade de processá-la, uma função crucial que muitas vezes é negligenciada. O filme ilustra magistralmente que a repressão das emoções negativas, algo que Alegria tenta fazer constantemente, não leva à saúde mental. A verdadeira integração e crescimento só ocorrem quando todas as emoções são reconhecidas e aceitas.
A Importância das Memórias
Winnicott, com seu conceito de "ambiente facilitador", destacou a importância do ambiente seguro para o desenvolvimento emocional saudável. As memórias centrais de Riley, que formam a base de sua personalidade, são influenciadas por suas experiências com seus pais e amigos, representando este ambiente. O filme mostra como as memórias podem mudar de cor, literalmente, quando vistas através de diferentes emoções. Isso se alinha com a ideia de que nossas experiências são reinterpretadas e reestruturadas continuamente, algo fundamental para a psicanálise.
Memórias Básicas e Complexidade Emocional: À medida que Riley cresce, suas memórias se tornam mais complexas, misturando emoções diferentes, o que reflete a evolução da psique humana. Essa complexidade é algo que Ferenczi também explorou, enfatizando a importância de lidar com traumas e emoções de forma integrada, em vez de separada.
O Subconsciente e o Papel dos Sonhos
O filme aborda também o inconsciente através das "Ilhas da Personalidade" e o "Subconsciente". As ilhas representam os aspectos centrais da identidade de Riley, moldados por suas memórias e experiências. Quando Riley enfrenta uma crise, essas ilhas começam a desmoronar, simbolizando a fragilidade de nossa psique quando enfrentamos estressores intensos. Os sonhos, usados no filme como uma forma de processar e entender os eventos do dia, são uma ferramenta que Freud valorizou imensamente, acreditando que os sonhos são a via régia para o inconsciente.
A Jornada Interna e Crescimento: O filme nos leva a uma jornada interna onde Riley, através de suas emoções personificadas, aprende a aceitar e integrar suas experiências dolorosas. A união de Alegria e Tristeza no final do primeiro filme simboliza a aceitação e a integração das partes mais sombrias de nosso ser, uma necessidade para a verdadeira saúde mental.
A Adolescência e Novas Emoções - DivertidaMente 2
À medida que Riley entra na adolescência, novas emoções começam a emergir e a complexidade emocional se intensifica.
Ansiedade
A Ansiedade está constantemente preocupada com o desempenho de Riley, criando cenários de "e se" que aumentam seu medo de falhar. Freud, por exemplo, descreve a ansiedade como uma resposta do ego a ameaças percebidas. No filme, a presença de Ansiedade destaca a importância de reconhecer e lidar com essa emoção antes que ela domine o funcionamento psíquico de Riley, como aconteceu, mostrando como a pressão para se destacar pode gerar conflitos internos intesos e ruptivos.
Vergonha
A Vergonha é uma figura que constantemente lembra Riley de suas falhas e a faz sentir inadequada. Winnicott falou sobre o "self verdadeiro" e o "self falso", onde a vergonha pode forçar o indivíduo a esconder seu verdadeiro eu para evitar a humilhação. No filme, a Vergonha mostra como a internalização de críticas externas pode levar Riley a evitar situações sociais e a duvidar de suas próprias capacidades, bem como a própria vivência inédita da adolescência e desejo de aceitação.
Tédio
O Tédio é ser representado por uma personagem que se desinteressa facilmente pelas atividades cotidianas, impulsionando Riley a buscar novas formas de estímulo. Nesse contexto, o sarcasmo, como um mecanismo de defesa frequentemente usado para mascarar inseguranças e frustrações, surge como uma resposta de Riley ao tédio e às pressões sociais. Ferenczi, por exemplo, enfatizou a importância de reconhecer e trabalhar com essas defesas para promover um desenvolvimento saudável.
Inveja
A Inveja é uma emoção que distorce a percepção de Riley, fazendo-a focar no que ela não tem, em vez de apreciar suas próprias qualidades. No filme, a Inveja cria conflitos internos, levando Riley a atos de impulsividade e tentativa de pertencimento ao time, bem como a se distanciar das amigas.
A Expansão do "Quartel-General" na Adolescência
Com a entrada na adolescência, o "Quartel-General" de Riley se expande, refletindo a complexidade crescente de sua psique. Este novo ambiente interno simboliza a batalha entre sentimentos primários e secundários para manter a estrutura do "eu" de Riley. Anteriormente, Riley se via como "uma pessoa boa", mas durante a narrativa, essa visão se transforma em "não sou boa o suficiente". A integração final de todas as emoções de maneira complexa e saudável representa um desenvolvimento psíquico maduro.
Transformação da Identidade: A transformação de Riley ilustra o conceito psicanalítico de que a identidade não é fixa, mas está sempre em constante evolução. A luta entre sentimentos primários e secundários espelha o conflito entre o id, ego e superego de Freud. Este processo de integração é fundamental para o crescimento emocional, permitindo que Riley construa uma visão mais realista e resiliente de si mesma.
Conclusão
"DivertidaMente" não é apenas uma animação engraçada, mas uma exploração astuta e sensível da complexidade da mente humana e do papel crucial das emoções na formação de nossa identidade. Através das lentes da psicanálise, o filme revela a importância de reconhecer, aceitar e integrar todas as nossas emoções para alcançar um bem-estar emocional genuíno. Ele nos lembra que a saúde mental não é a ausência de tristeza ou plenitude de alegria, mas a capacidade de conviver e crescer com todas as nossas emoções à medida em que elas aparecem.
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